Trinta linhas são muito pouco: O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira

Hélder Nunes
3 min readJan 20, 2021

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“Anxiety” (Edvard Munch)

Em 19 de agosto de 2018, como em muitas centenas de dias de minha vida, acordei para ir à universidade. Na época eu morava a 45 quilômetros de onde estudava, e aguardei num ponto de ônibus que coincide com o ponto de mototáxis. E, naquela conversa matutina entre mototaxistas e alunos que esperavam o ônibus, cheia de nhem-nhem-nhens e larás-larás, uma pessoa me observou por alguns segundos e comentou (sic): “Você, por acaso, não é filho lá, daquela mulher que era doida, atirou-se e deixou três filhos?”

Esta recordação me veio em mente quando li, no domingo, às 13h30, “Redija um texto dissertativo-argumentativo em modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema ‘O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira’”. Este estigma, felizmente para minha redação e infelizmente para mim, eu já conhecia muito bem. Tendo nascido no país das terras tupiniquins, já estava ciente do fato que infinitas pessoas associam as doenças mentais à marginalidade, ligam terapia a um indício de insanidade e falam de clínicas de reabilitação com escárnio na voz. Verdade seja dita: as pessoas do nosso país não gostam da ideia de cuidar da própria saúde mental. Quem sabe se tivéssemos psicologia e outros assuntos importantes na grade curricular do ensino básico, a coisa não seria bem diferente. Mas isso já é assunto para outro texto.

Muitos são vítimas diretas e indiretas do estigma citado no ENEM. Rosilda Nunes Dantas, minha mãe, que cometeu suicídio aos 37 anos como consequência da depressão profunda, foi apenas a primeira pessoa que me veio em mente naquele momento; mas esse estigma pode e vai afetar a todos que sofrem pelo menos um pouco com algum tipo de transtorno mental. E não são só uma ou duas pessoas que passam por problemas mentais: são centenas de milhões. Estima-se que 4.4% da população mundial tenha depressão. Psiquiatras estipulam que entre 20% e 25% da população tiveram, têm ou terão um quadro de depressão em algum momento da vida, e o Brasil tem nada mais nada menos que 19,4 milhões de ansiosos. E apesar de que centenas de milhões já tenham sido diagnosticados, todos nós, sem exceção, somos total e absolutamente suscetíveis às doenças mentais.

Carregar um estigma sobre as doenças mentais não é só ser ignorante: é demonstrar que você não se conhece o suficiente como um ser humano. É estar absolutamente fora da realidade. No mundo da lua, viajando na maionese, achando que está na Disneylândia, como você preferir.

Porque quem tem depressão, esquizofrenia, borderline, ansiedade ou outras doenças luta uma batalha que tem todos os adjetivos que não colocarei aqui, mas é possível afirmar, sem medo, que é uma luta que é tudo, menos fácil. Adicionando o estigma, estas pessoas têm agora dois problemas enormes: a guerra com o transtorno e o estigma de uma sociedade que não o entende. Já não é sofrimento o suficiente batalhar com a enfermidade? Por que ser obrigado a lutar ainda mais?

Se você carrega esse estigma, você está essencialmente declarando: eu não conheço o que eu sou e eu não sei das minhas incapacidades e falhas. É algo que demonstra que você sequer entende quem é ou como funciona seu próprio cérebro. Quando se tem um preconceito com doentes mentais, isso traduz que você não conhece o animal que você é. Você é um animal que chamamos de “humano”, os biólogos classificam como “homo sapiens sapiens” e, dentre incontáveis virtudes, você pode, sim, se tornar depressivo, ansioso, e não há nada mais normal do que isso. Mais: levar esse estigma não é menos estúpido do que ser sexista ou racista. A arrogância e ignorância são semelhantes.

Então, aqui segue o meu clamor: entenda quem você é. Entenda as pessoas. Estude psicologia. Tenha compaixão com o próximo, e, mais ainda, com quem você ama. Torne o mundo melhor. Pesquise sobre ioga, meditação, acupuntura, exercícios físicos e tantas outras bonitas maneiras que temos de cuidar do que nós, humanos, temos de mais único: nossas mentes. Garanto que será compensador.

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