Nove anos.

Hélder Nunes
3 min readNov 27, 2020

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(escrito em 15/11/2017)

Há nove anos, tu nos deixava. Há nove anos, uma parte de mim morria. Há nove anos, eu me perdia nesse planeta. 27/11/2008 foi o dia em que eu entendi o que era a dor. Foi o dia em que eu comecei a entender. Aprendi do pior jeito a lidar com as dores da vida. Perdi minha mãe, meu caminho, minha guia, minha companhia, minha professora, minha tanta coisa… minha coisa demais… tanta coisa que eu tanto sinto falta. Tanta coisa. Não existem palavras que descrevam a dor que eu senti e que sinto até hoje por não ter mamãe ao meu lado. Dói-me indescritivelmente saber que nunca vou poder ter diálogos como “nossa, mas então quer dizer que chocolate em inglês e em português são a mesma coisa?”, ou nunca poder ter aquele olhar de ternura me encarando, onde aquela mente ainda sã se perguntava como explicaria para um garotinho curioso o mundo, como explicaria a sociedade, como me faria entender o planeta que vivemos. Nunca vou esquecer a forma com que você me explicou que existiam “animais irracionais” e o “animal racional, que é o ser humano”, nunca vou esquecer você toda quinta-feira me prometendo trazer alguma coisa na sexta, que ás vezes eram só balinhas, ou um brinquedinho, ou um bloco de notas que eu tratei de espalhar pela casa inteira, e você brigou comigo, desde então não trouxe mais nada… Nunca vou esquecer tua forma de dialogar comigo, ou como me assustava quando tu perdia a paciência, pois só assim eu entendia que a coisa tinha ficado feia. Nunca deixarei de segurar os teus princípios de sempre buscar a honestidade e o bem acima de tudo. Nunca esquecerei de como você me alfabetizou aos meus quatro anos. Nunca esquecerei a forma com que você me entendia como ninguém nunca entendeu. Nunca deixarei de ter as sequelas de ter me desenvolvido sem uma mãe, sem Rosilda, para me explicar o que acontecia, o que estava acontecendo comigo e com minhas atitudes… Eu me pergunto se algum dia eu deixarei de sentir tua falta, se eu algum dia eu te perdoarei, se algum dia eu deixarei de sentir o que eu sinto por você, mesmo você tendo deixado-nos há tanto, mas tanto tempo… Me parece absurdo notar que eu já vivi mais sem você do que com você, pois pra mim a vida sempre se dividiu entre “os dias com mamãe” e “os dias sem mamãe”, isso é tão, mas tão irreal pra mim… ás vezes eu ainda me pego achando que algum dia eu vou te encontrar, que você algum dia ainda vai voltar do trabalho de pé, com aquele sorriso tão cansado no rosto, dizendo “ah, hoje foi assim”, mas eu logo deixo de me iludir e sei que estou fadado a viver com sua falta. Fadado a viver com sua falta. Não só eu, mas todos nós. É tão doloroso, mamãe, ah, mas como é doloroso… É exatamente como descreveu papai, com uma precisão assustadora: “[Rosilda], tão forte e tão dona de nós quatro que, ao ir embora, nos deixou a todos perplexos, imersos na mais dilacerante tristeza e vagando no abandono”.

“Oh, pedaço de mim

Oh, metade amputada de mim

Leva o que há de ti

Que a saudade dói latejada

É assim como uma fisgada

No membro que já perdi”

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